domingo, 17 de junho de 2012

Se liga, mano!


Eles veem com esse papo de vida justa. Mano, se liga. Senta aqui do meu lado, dá um ligue no  moleque logo ali. Sem comer e onde morar. Ninguém liga não, mano. Os outros dizem mas também não ligam não. Quem vai ligar, mano? Nóis é preto, quem vai ligar, mano? Senta mais perto, não vou te machucar não. Acha que é fácil? Se liga nesses caras, virando o rosto e atravessando a rua. Não precisa subir o vidro não, irmão. Só vim vender minha bala. 

Chega aí rapaziada, dá uma pausa no expediente. Vamos puxar o nosso, distrair a nossa mente. Estava encostado ali no canto, só olhando. Os caras se aproveitam da farda, de peito estufado, brinquedo na mão, achando que estão no poder. Quem vai ligar, mano? Um preto à mais um preto à menos. Mas se liga, só minha cor é diferente da sua. Acorda aí, a vida está passando e você perdendo tempo julgando. A gente não esquece não, mano. A vida é curta mas pra quem só existe. Tá ligado?

Esses caras aí jogados na calçada, sabe nem de onde veio. Quem liga, mano? Só choca quando passa na televisão. No dia à dia a galera desvia, passa por cima, pisa, chuta, xinga. Só choca quando os manos comentam na televisão. É mano roubando mano, igual eles acham que é com a gente, só que de terno e gravata. 

E quem é aquele cara branco do colarinho branco? Olha lá, mano. Os caras respeitam, falta pouco reverenciar. Os sapatos estão bem engrachados, até o pó tem medo de se aproximar. Será que vão me respeitar de colarinho branco também? Vão nada mano, porque aqui de branco é só o colarinho. Não precisam me olhar assim não, guarda esse ódio pra você. Aqui não tem essa de cara feia. A vida não é fácil, mas ninguém  disse que seria. Aqui é dia após dia, irmão. Tem essa de olhar torto e abaixar a cabeça não. Vou sentar na minha cadeira de couro daqui a pouco. Querendo ou não eles me respeitam sim, mano. Porque eu sou preto, mas eu sou o patrão.

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