terça-feira, 10 de julho de 2012

Como uma semente


O ser humano precisa saber que o primeiro erro que ele vai cometer na vida é nascer. E é o erro que o levará a cometer todos os outros, é inevitável. Não tenho tantos traumas de infância. A não ser já ter visto e ouvido meus pais metendo. Não foi nada exagerado, nada que me influencie a virar uma psicopata, ninfomaníaca, serial killer entre outros. Mas é nojento e constrangedor. Não nasci em berço de ouro nem nunca fui mimada. Tive o básico que uma criança de poucos anos de vida deveria ter. O mínimo de cuidado pra não bater a cabeça na quina de uma mesa, não mexer nos pertences favoritos do papai, não colocar coisa suja na boca, não falar palavrão e não rolar escada abaixo em casa. Minha avó e minhas tias passaram mais tempo comigo do que meus pais, nada que faça de mim uma menina revoltada ou mal-amada, eu espero.

Venho parecendo uma descendente do Frankenstein. Não, na verdade, não acho que não ter apego o suficiente pelos pais faça de mim um monstro, não tanto. Cada um tem aquilo que cultiva, é o que eu aprendi sozinha e uma desculpa que me serve até hoje para não me sentir obrigada a fazer favores para os outros ou demonstrar algum tipo de sentimento que provavelmente eu não tenha. Eu ainda tenho alguns defeitos de fabricação, alguns que eu espero consertar com o tempo. Dizem que felicidade é feita de momentos, os meus são tão curtos e poucos que quando eu realmente tiver um, não sei se vou saber. 

Eu já tive amigos verdadeiros, até tenho alguns hoje. Mas, as vezes gosto de pensar que não tenho nenhum. Não gosto muito de abraços, beijos e melação. Quando estou mal gosto de me enfiar em qualquer canto e chorar e sem ninguém ficar perguntando o que é ou me abraçando. Cara, é horrível. A solidão faz bem pra mim, nada que se deva ver como doentio. Mas cada dia que passa eu me importo menos com quem devo me importar. Eu tenho dó de moradores de rua, cachorros, gatinhos. Não, gatinhos não, eles são malígnos e traiçoeiros e disso já basta eu de vez em quando. Ou eu amo demais, ou não amo. Menos que isso não sou capacitada pra fazer. E se eu amo demais, uma hora eu vou odiar. Não, odiar é demais. Eu vou deixar de me importar. Deixar de me importar, entende? Uma hora você mata e morre pela pessoa e na outra hora você só deixa ela morrer. É, gostei disso. 

Você vai se tornando uma pessoa monótona. Não liga em sorrir para as pessoas nem em chorar perto delas. Se gostam de você ou te odeiam. Se te acham bonita ou feia. Gorda ou magra. Rica ou pobre. Se já se imaginou entre suas pernas ou não. Se se importa com você ou não. Se já te amou ou não. Você só olha pra frente e anda como se não tivesse nada nem ninguém. O mundo vai acabando atrás de você. E tudo o que você faz por livre e espontânea pressão é continuar andando. Mas desejando que o fim de mundo atrás de você seja rápido o bastante pra te alcançar e te destruir junto. 

Até uns tempos atrás me comportava como uma garota de 12 anos que curtia o menino babaca mais charmoso da escola. Queria saber do que ele gostava, queria dar e ser tudo o que ele sempre quis. Ficava nervosa e com as mãos suadas. Ficava vermelha. Tinha papos idiotas e tudo o que eu conseguia falar era sobre filmes e música. Não tinha coragem de ligar e convidar para dar um passeio em uma livraria ou uma loja de CD's. Era sempre me comportando como uma completa imbecil que ainda brincava de Barbie e ficava em choque com as primeiras gotas de sangue escorrendo pela perna.

Isso foi tão deprimente que até eu fiquei deprimida. É poque talvez seja mesmo, ou não. Você sente tanta triste o tempo inteiro que um antidepressivo deixa de fazer efeito. Mentira, esses dramas de remédio pra dormir e antidepressivo eu faço pra minha mãe que até torna o momento mais engraçado. A tristeza é algo com que você possa se acostumar. Assim como aquele tio do pavê que você vê todo churrasco. Ou aquela família hipócrita que semea a discórdia o ano inteiro entre o resto dos familiares e se juntam no natal trocando presentes, beijos, abraços e felicitações. Deus, isso é exaustivo. A gente prefere ler um livro desinteressante de 400 páginas ou ver um filme horrível sozinha na televisão ao invés de sair com alguém e ouvir futilidades que você costuma sussurrar para si próprio na sua cabeça.

Algumas pessoas procuram alguém para transar. Usam o sexo como distração, sabe? Como jogar Mario Kart no N64 até a hora do jantar. Escolhem a dedo praticamente, qualquer um que aparente ser capaz de levá-lo a dar uma boa esporrada e te fazer esquecer da vida lixo e sem graça que tem. Digo por eu mesma. Já tive tanta vontade de fazer isso e não fiz. E olha que droga, hoje já não tenho essa vontade e ainda sim não o fiz. Droga, droga. O desencanto e a frieza se tornam tantas que, pensar naquele ator hollywoodiano gostoso de barba com o qual você fantasia te comendo em todas as posições ou naquele ex colega de escola te estuprando acabam deixando de ter graça. Oh, céus! E imaginar ele me comendo era tão divertido.

Seu corpo se desprepara para o medo, o amor, o prazer e ficam apenas esperando, junto com seu cérebro miúdo, o tempo passar bem devagar. Só esperando a morte, como esperar um exame de sangue sem data definida. Se preparando para o jejum e a tontura que você pode sentir por estar em jejum. Blá, blá, blá!

Em um dia você se apaixona pelo passado lixo, monstruoso e sujo de alguém.  Pelo resto de humanidade e monstruosidade mescladas, que formaram aquele homem rude, porém encantador. Eu ia dizer frio e sem sentimentos, mas seria engraçado. Eu fui apaixonada por ele um dia e hoje sou tão fria, sem sentimentos e monstruosa quanto ele. Ah, é mentira. Estou escrevendo isso de cabeça quente. Ele continua um bom rapaz, desprezível, mas bom. Seguindo sua vida e virando gente, melhor assim. 

Bom, a gente colhe o que planta. Estou pensando em pegar a semente de algumas buchas vegetais e plantar no fundo do quintal. É um pesadelo quando elas vão envelhecendo e você sempre adia e esquece de buscar no supermercado. E não sei, alguma coisa eu preciso ter para colher no futuro, não é?

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