quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Um Lugar no Campo


Era um dia ensolarado, tinha aquele cheiro de mato molhado, um cantinho qualquer no imenso interior. Os vestidos da meninas foram de azul ou cor-de-rosa para marrom. A meia e o macacão dos garotos com fiapos de capim e sujas de lama. Tudo passava num flash, as crianças correndo em volta do homem robusto, careca e sorridente sentado ali. Puxavam a barra de sua calça, pulavam e gritavam. Vem brincar com a gente, vovô. Que cansaço prenderia aquele velho sentado ali com tantos anjos encapetados à sua volta, correndo, pulando e gritando. Foi ali que aprendi a soltar pipa. Eram muitos primos pra dividir a atenção mas eu fui a primeira. Enrolamos uns bons metros de linha naquela lata de achocolatado sem embalagem e nos preparamos. Vovô me deu um pedaço de linha e me mandou correr contra o vento. A rabiola  e a pipa dançaram com o vento junto ao vestido bordado que vovó havia feito. As outras crianças aplaudiram e gritaram, foi um dia especial. Nesse VHS embolorado eu guardo, o dia que soltei minha primeira pipa, menina danada, branquela com os cabelos negros e cacheados. 

O velho careca e animado jogou bola com as outras crianças, enrolou e então voltou à mim, andamos pelo campo e aquela havia sido só a primeira pipa de muitas. Eu parecia uma mocinha do campo, de vestido e lencinho no cabelo, carregando uma bacia gigante com mexericas que eu e vovô havíamos colhido. Hoje sou da cidade, sem pés de mexerica para encostar, passar debaixo ou colher. Sem meu vovô para soltar pipas. Só a cidade, rostos desconhecidos, bonitos e diferentes. Roupas caras e limpas, sem capim ou manchas de lama. Sem a simplicidade ou o cheiro do campo. Cidade barulhenta, iluminada e cheia. Trânsito de automóveis e pessoas. A vida vai passando e tudo vai mudando. Pessoas chegam, outras partem. A saudade fica e ainda há muitas mexericas a serem colhidas, do lado de lá, no pequeno campo no interior. Só não tem alguém, pra partilhar aquele amor, que eu nem aproveitei o bastante, meu e do meu avô no campo. 

[Ouvindo Pink Martini - Hang On Little Tomato] 

5 comentários:

  1. Que texto lindo e não sei se a imagem e sua mesmo, mas encaixou tão bem no texto, que me emocionou!

    Beijo!

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    1. Obrigada Marcelo! A imagem não é minha não, não tive tantas fotografias com meu avô, não tive muitas chances de tirar! Muito obrigada pela visita. Um beijo.

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  2. Que texto maravilhoso! Fiquei com gostinho de nostalgia, vontade de pisar no campo e sentir a delícia que é estar num lugar assim.

    Beijos.

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    1. Também sinto falta do campo, Brunna. A gente transparece a saudade como pode. Muito obrigada pela sua visita ♥

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